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Responsabilidade Social na perspectiva da ISO 26000
Parte I
Responsabilidade Social na perspectiva da ISO 26000
Quando em 2004 o comité ISO optou por elaborar uma norma sobre Responsabilidade Social (RS) definiu, logo na declaração inicial, que o texto a produzir deveria ser claro e utilizável por não especialistas Não teria portanto por objectivo fornecer uma base para a implementação de sistemas de gestão ou certificação, mas linhas directrizes operacionais que permitissem a implementação de práticas de RS em todas as organizações. Igualmente, na decisão de elaborar uma norma internacional sobre RS, a ISO sublinhou que a sua intenção era a de produzir um documento de orientação que valorizasse e não que substituísse os acordos internacionais intergovernamentais existentes sobre o tema, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e as convenções OIT.
Esta posição de base de assumir a complementaridade relativamente aos acordos já existentes, contou com a forte oposição de alguns dos países participantes, nomeadamente dos Países do Golfo que pretendiam a consignação de que os textos internacionais não se podiam sobrepor aos textos do direito nacional. É o caso por exemplo da Arábia Saudita com os direitos não reconhecidos às mulheres. Subjacente a esta discussão esteve a acusação recorrente de que os Direitos do Homem têm uma visão demasiado ocidentalizada; no entanto os países europeus (no que foram secundados pela grande maioria dos participantes) mantiveram a posição que acabou por prevalecer da universalidade desses direitos, bem como das convenções da OIT. 

Outra questão de base relevante prende-se com a descriminação com base na orientação sexual que é um tema omisso nos textos da OIT; o assunto foi largamente discutido durante a redacção da 26000, no entanto muitos países, tendo em conta as suas legislações nacionais (como é o caso dos países árabes em que a homossexualidade é proibida) fizeram forte oposição à inclusão destes princípios. Finalmente na reunião realizada já em 2010 em Copenhaga é encontrada uma fórmula que, não referindo explicitamente a orientação sexual, permite considerá-la, sem ferir os representantes dos países em que esse tipo de descriminação não é legalmente reconhecido. A fórmula encontrada foi “descriminação com base nas relações pessoais”, conceito que, embora mais dúbio, apresenta a vantagem de também cobrir outros tipos de descriminação.

Apesar do reconhecimento da universalidade das convenções internacionais, fica claro, desde a declaração inicial, que na assumpção da RS das organizações há que ter em conta as diferenças culturais, sociais, ambientais e legais e ainda os níveis de desenvolvimento económico. A existência de outros textos normativos, como é o caso português com a NP 4469, encontra aqui a sua justificação.

O conceito e a definição de RS foi objecto de acesa discussão no seio do grupo de trabalho encarregue da sua redacção: estiveram em confronto a visão “ética” defendida pelos americanos, a visão “legalista” dos europeus e ainda a visão de algumas ONG’s que pretendiam dissociar a definição do conceito da causalidade entre as decisões das organizações e as actividades sociais.

Num primeiro momento os representantes da indústria norte-americana quiseram que fossem reconhecidas como actividades relevantes para a RS das organizações as acções de filantropia. Esta posição fez eco nas posições de muitas das ONG’s presentes que sustentaram que as acções de filantropia e mecenato são, em muitos casos as únicas formas de financiar projectos de ajuda ao desenvolvimento. Esta posição teve a oposição dos países europeus que entendiam que, apesar da filantropia e mecenato poderem ter um papel complementar importante, não podem substituir-se à responsabilização pelas organizações dos efeitos das suas actividades. 

Tendo vingado esta posição europeia, o texto final consigna assim que RS de uma organização deve ser entendida como a responsabilidade dessa organização face aos impactos que as suas decisões e a sua actividade causam na sociedade e no ambiente. Não é portanto possível uma organização escusar-se às suas responsabilidades “comprando” acções de mecenato ou filantropia ou utilizando outras quaisquer estratégias de “greenwashing” Na interpretação final da norma a filantropia, chamada “investimento social”, deve ser encarada como um apoio complementar importante, mas em coerência, com a RS da organização.

Na definição de RS e particularmente na identificação dos impactos das actividades das organizações, prevaleceu, num primeiro tempo a abordagem anglo-saxónica de diálogo com as “partes interessadas” da organização. Esta perspectiva sofreu ao longo dos trabalhos uma evolução, visto que deixava de fora os impactos relativamente aos quais não existem “partes interessadas” para os representarem e defenderem, como é por exemplo o caso do respeito pela biodiversidade, ou, utilizando o exemplo de um representante da Confederação Internacional dos sindicatos: “não é necessário que exista um sindicato de crianças trabalhadoras para que lutemos contra o trabalho infantil”. A solução final encontrada pela ISO 26000 consistiu na definição e identificação da conceito de esfera de influência da organização – ou seja, o conjunto dos actores sobre os quais a organização tem, ou pode ter, influência. Quanto maior for o impacto potencial da actividade sobre os actores susceptíveis de ser influenciados, maior é a responsabilidade da organização. Esta abordagem apresenta uma vantagem imediata de controlo dos custos ao relativizar a responsabilidade dos impactos indirectos ao longo da cadeia de valor. Tem ainda a vantagem de dificultar a externalização da responsabilidade.

As negociações para a realização da ISO 26000 decorreram durante 5 anos, sendo a norma finalmente aprovada em 2010 com os votos contra das delegações de Cuba, Estados-Unidos, Índia, Luxemburgo e Turquia e as abstenções da Argélia, Alemanha, Austrália, Áustria, Bangladesh, Hungria, Irão, Islândia, Nova-Zelândia, Macedónia e Vietname, votaram a favor as restantes delegações membros do Comité ISO, onde se inclui Portugal, representado pelo IPQ.

Com este texto pretendeu-se apresentar e dar uma visão geral da Norma ISO 26000 – Responsabilidade Social – referindo, embora não exaustivamente, as principais questões e preocupações que estiveram presentes na sua criação. Em próximos textos abordaremos a estrutura desta norma, os conselhos para a sua implementação e a relação com outros textos normativos sobre o mesmo assunto, particularmente a NP 4469 – Sistemas de gestão de responsabilidade social.

Na realização deste artigo foi consultada informação constante dos sítios na internet www.iso.org, www.ipq.pt , nos fóruns de discussão do Linked in “iso 26000” e “iso 26000 en français” e ainda Aubrun, Mérylle, et al, ISO 26000 Responsabilité Sociétale, Edições AFNOR.

João Diniz
Consultor/Formador

Oeste Activo
Seminário Positivamente - Do conhecimento à acção


19-09-2011
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